Minerais e Espeleoformas

    Património Natural

Lapa da Cova localiza-se na vertente sul da Serra da Achada, em Sesimbra, perto da povoação de Pedreiras, numa escarpa sinuosa e bastante inclinada, na cota dos 260 metros, sendo visível a longa distância, partir do mar pelo que será de supor que a sua descoberta deverá ter sido feita por marinheiros. Embora só em 2007, durante os trabalhos de preparação da nova Carta Arqueológica de Sesimbra a equipa do Neca - Grupo de Espeleologia da Costa Azul, tenha detectado a presença de fragmentos de cerâmica.

Do ponto de vista espeleológico é uma cavidade cársica fóssil, formada por duas salas e uma pequena galeria, que se desenvolveu ao longo de uma diáclase principal longitudinal à entrada e no cruzamento de outras, em terrenos calcários do Jurássico Médio J2 pe. As galerias são muito pobres em espeleoformas, até porque é bastante seca apresentando uma temperatura entre os 20 e 22 graus e devido aos depósitos sedimentares margo-argilosos.


O aceso é difícil e perigoso, devido à forte inclinação da escarpa, pelo que são requeridos cuidados especiais, pode ser efectuado de três formas, partindo do Calhau da Cova e subindo arduamente mais de duas centenas de metros, ou pela meia encosta poente ou ainda pelo topo por um caminho nada fácil. Chegados á entrada da cavidade em forma de "arco gótico" com cerca de 15 x 10 metros, surge a primeira galeria com 30 metros de comprimento em forma ascendente com um desnível de 10 metros, a altura inicial de 15 metros vai-se afunilando á medida que se sobe e termina com apenas 2 metros, a largura média desta sala é de 10 metros. O chão encontra-se forrada por um caos de blocos de grandes dimensões e perto do topo surgem depósitos margo-argilosos. Já na penumbra á direita no cimo da primeira sala, existe uma plataforma que comunica por uma rampa descendente, com uma pequena galeria apendicular. Voltando á sala principal, novamente á direita, já no escuro, passamos por uma conduta que nos leva á segunda sala denominada sala interior, com uma largura de 6 metros, também parcialmente preenchida com blocos de tamanho médio, apresentando o tecto elevado nível de fracturação.

Do ponto de vista arqueológico, a Lapa da Cova revelou desde os trabalhos de prospecção para a nova carta arqueológica do concelho de Sesimbra (2007-2009 - Calado et al., 2009), potencial interesse devido aos materiais cerâmicos então recolhidos, que apontavam ocupação no início da Idade do Ferro, mas de que tipo ?, especulava-se sobre várias hipóteses, mas atendendo ao difícil e perigoso acesso e ao facto de só ser visível do mar apontava para um possível Santuário.

Porém em Outubro de 2009, a descoberta ocasional de um brinco de ouro, por um espeleólogo amador, correspondente a cronologias relativas da 1.ª Idade do Ferro, precipitou a futura escavação, dada a antevisão de um cenário de buscas destrutivas e foi solicitado um pedido de escavação ao IGESPAR, em 2010 celebrou-se um protocolo com a Câmara Municipal de Sesimbra, e os trabalhos de limpeza e escavação iniciaram-se sendo dirigidos pelo Dr. Mário Carvalho, sob a coordenação científica do Prof. Dr. Manuel Calado, contando Ricardo Soares - FLUL, Miguel Amigo - FBAUL e com o apoio espeleológico de Rui Francisco - CEAE-LPN.

O método utilizado na escavação foi o denominado Barker - Harris, muito adaptado a situações de emergência, como era o caso, havendo ainda o cuidado de documentar todas as peças recolhidas com coordenadas geodésicas, alem de fotografia. O plano que os responsáveis traçaram foi escavar a pequena galeria área 1 e a plataforma superior área 2, tendo o cuidado de deixar uma zona testemunho de cerca de 2 m2 em cada área, além de serem feitos cotes noutras áreas da gruta.

Como as escavações são muito recentes e não existe ainda relatórios finais, os elementos que apresento a seguir resultam duma leitura atenta do “Preliminar Report”, que o Dr. Manuel Calado partilhou no seu Blog.

A interpretação estratigráfica embora complexa, revelou essencialmente 3 camadas estratigráficas, na área 1 a camada 0 constituída por esterco e ossos de cabra, contendo alguns artefactos. A camada 1 apresentava duas tipologias do lado norte, uma cor escura e compacta, com um pouco de concrecionamento e bastantes materiais arqueológicos, enquanto o lado sul apresentava basicamente preenchido por detritos orgânicos.

Dentro da conduta que liga a área 1 á área 2 registou-se após a remoção da camada 0 uma espessa camada 1 de cinzas e carvões misturados com materiais proto-históricos. Enquanto no extremo leste da sala sob a camada superficial 0 surge o sedimento 1 de cor escura onde se encontraram grande quantidade de fragmentos de cerâmica e contas de colar. Seguindo-se a camada 2 de sedimento de cor castanho acinzentada com muitos materiais.
Na área 2, plataforma superior a camada superficial 0, é constituída quase na totalidade por esterco de cabra bastante compactado. Sob esta camada na 1, foram identificados restos de tecido de um colchão de palha bem como dois botões de osso e pedaços de couro, devendo corresponder a um passado recente de pastoreio, já documentado pelos achados de utensílios de osso e madeira recolhidos em recantos das paredes do andar superior. Surge ainda uma camada avermelhada estéril. Estando totalmente em falta os materiais arqueológicos.

O Espólio recolhido nas camadas estratigráficas 0, 1 e 2 é essencialmente constituído por materiais arqueológicos de origem mediterrânica, que passo a destacar nos seguintes grupos:

Artefactos de Bronze - uma fíbula, dois prováveis ponderais; sistemas de pesos do Bronze Final e Idade do Ferro Inicial, em solo peninsular, são conhecidos três sistemas (R. Vilaça, 2003), um botão cónico, susceptível de variadas  interpretações, acessório de vestuário ou de arreio de cavalo ou ainda um possível ponderal de suspensão pendular.

“En definitiva, después de dar continuas vueltas a la cuestión y con los datos que nos ha proporcionado un nuevo análisis de estos botones, donde hemos tenido en cuenta su dispersión, medidas, peso y, fundamentalmente, su asociación con otros elementos aparecidos en el entorno donde fueron hallados, hemos concluido que los mismos podrían haber correspondido a los diferentes conjunto del sistema ponderal que tan bien representados están en el yacimiento” (Celestino Pérez e Zulueta, 2003, p. 67).

Além de um espeto e uma “mãozinha” possível pega de braseira, semelhante ás encontradas em 0 -Cancho Roano – Badajoz, 1 e 2 - Villasviejas del Tamuja – Cáceres, 3 e 4 - El Cuco – Badajoz, 5 - El Quintillo – Badajoz (J. Jiménez, 2013).


Gravura adaptada de «Braseros» de Bronce ProtoHistóricos en Extremadura - Desenhos de J.M. Jerez - (J. Jimenéz, 2013).


Objectos de Adorno – cerca de duas centenas de contas de colar feitas de várias matérias-primas de origem mineral como a cornalina, o quartzo hialino e a olivina, além de vidro e osso. 

Um brinco, uma arrecada e uma conta esférica em ouro.


Cerâmica de torno – grande quantidade de fragmentos correspondentes a cerca de 30 a 40 vasos do tipo ânfora e pithos (pithoi no plural), os pithoi são muito frequentes em ambientes fenício-púnicos, como recipientes de armazenamento e transporte, importação (Ramón 1999; Aubet et al..1999) e de uso funerário (Maas-Lindemann, 1999), sendo vulgares em estações orientais e orientalizantes da península Ibérica (Ruiz Mata, 1993).

Cerâmica Manual – vários fragmentos de aparente produção locais e atribuíveis ao Bronze Final, que também foram detectados fora da cavidade, querem no caminho a partir do mar. quer no acesso poente a partir da Serra da Achada.

O espólio recolhido nas campanhas de escavação encontra-se depositado numa base logística, na quinta de Calhariz, onde se faz o seu tratamento e estudo. Pelo que não existem ainda conclusões definitivas mas sim possíveis.

Note-se a total ausência de quaisquer restos antropológicos, os únicos restos osteológicos pertencem a pequenos roedores e texugos, além dos caprídeos, nomeadamente ainda hoje existe um grupo de cabras selvagens que frequenta a região.

“De salientar o facto de não ter sido identificado qualquer vestígio antropológico durante a escavação, o que remete para uma utilização exclusivamente sagrada enquanto santuário, ficando excluída a hipótese funerária. Acresce o registo, no patamar superior da galeria principal, de um grande depósito de cinzas, insinuando um provável “altar de fogo”, dejectando, em cone, para a pequena sala apendicular.. (R. Soares, 2012)”.

Esta hipótese tem ganho importância atendendo a que se verificou a total ausência de materiais arqueológicos, na sala superior enquanto que os mesmos aparecem associados ás cinzas e carvões que foram encontradas na pequena sala, dando a enterder que esta era limpa periodicamente e intencionalmente, por outro lado temos paralelos por exemplo em Cancho Roano, La Mata, Coria del Rio, Cerro de las Cabezas de Valdepñas, Espinhaço de Cão (M.Calado, 2010).

Se olharmos para a estrutura física da cavidade facilmente encontraremos 3 níveis de iluminação, a zona com luz a entrada parte pública do Santuário, a zona de penumbra na parte mais alta onde possivelmente o cerimonial se desenrolava e a zona escura na pequena sala interior, para fins específicos. Digamos que se encontram reunidas, todas as condições inerentes a um Santuário.

Se pensarmos nas rotas fenícias Sul-Norte entre Gibraltar e o Tejo-Sado, nas evidências demonstradas em várias estações arqueológicas de influência mediterrânica, na proximidade do estabelecimento fenício de Abul, na margem direita do Sado, de meados do séc. VII a.C. (Mayet e Silva, 2000), já não falando por exemplo dos fragmentos de ânfora produzida em torno, que apresenta cozedura redutora e ornatos brunidos, tal como a cerâmica autóctone da nossa região, o que implica a existência de contactos entre as diferentes culturas. Se ainda tivermos em conta que da monumental entrada da Lapa da Cova virada para o horizonte marítimo, se domina a ponta de Sines, a entrada em Setúbal e qualquer navegação oriunda do Sul vinda de Sagres.

a genérica apreciação do conjunto artefactual propõe uma ocupação de razoável diacronia (alguns séculos), iniciada numa fase precoce da colonização fenícia” (M. Calado, 2010)

Tudo isto nos leva a concluir que provavelmente, a Lapa da Cova será a mais ocidental gruta Santuário Fenício actualmente conhecida.

  Publicado em 14/06/2013 - YouTube   

A rota fenícia, de Sagres ao Espichel, em frente em linha reta para o norte, em direção a Lapa da Cova

       Phoenician Sailing Gibraltar

          Southampton BoatShow




Texto: Orlando Pinto, 2014







Phoenicia - Réplica de embarcação Fenícia




A rota fenícia, de Sagres ao Espichel, em frente em linha reta para o norte, em direção a Lapa da Cova 

Origem das fotografias:  fotoarchaeology.blogspot.pt ;  lapadacova.blogspot.pt ;  www.southamptonboatshow.com/2013 ; O Tempo do Risco Carta Arqueológica de Sesimbra, 2009

Bibliografia: A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem - R. Soares, 2012; Preliminar-report - M.Calado, 2010; Lapa da Cova - Arrábida - Sesimbra - R. Soares, 2012; Fenícios e Romanos no vale do Sado - Mayet e Silva, 2005; No Baixo Sado: da presença Fenícia à Imperatoria Salacia - C. Tavares da Silva, 2011; Braseros de Bronce ProtoHistóricos en Extremadura - J. Jimenéz, 2013; Los Bronces de Cancho Roano - S. Celestino e P. Zulueta, 2003; Acerca da existência de ponderais em contextos do Bronze Final / Ferro Inicial no território português - R. Vilaça, 2003; Centro de Estudios Fenicios y Púnicos Universidade de Lisboa - Abul; La colonización fenicia en Portugal - M.P. Catalán, 1998; Los Fenicios en Occidente, 2013;