Introdução

A cordilheira da Arrábida possui um património, geológico e paleontológico de relevância nacional e internacional. “... Antes, o Tejo terminava em delta, era uma área imensa que atingia a lagoa de Albufeira, e foi a elevação da Arrábida que provocou a separação dos cursos do grande rio ibérico e do Sado. A atestar a importância geológica da serra, refira-se que três dos sete monumentos naturais de Portugal encontram-se na região: Lagosteiros, Pedreira do Avelino e Pedra da Mua. Mas é na pedreira do Jaspe, com a “onda” da Serra do Risco como guardiã, que olhamos a falésia calcária mais alta da Europa (380 metros). Debaixo dos pés, estão milhões de anos acumulados; em frente, temos o palco do encerramento do mar de Tétis e a abertura do Atlântico Norte… (Carlos Kullberg, National geographic, 2014) ”.

Vamos agora tratar de aquilo que vulgarmente chama-mos de fósseis, isto é restos corpóreos de animais extintos. Porém a noção de fósseis é mais vasta e deve ser organizada em categorias. Nas páginas anteriores tratámos de uma dessas categorias refiro-me às jazidas de pegadas, os chamados Icnofósseis, nesta vamos abordar os Somatofósseis.

Clarificando os conceitos: Os icnofósseis (Icnofóssíl do grego icnós, traço, vestígio + fóssil) são os fósseis de vestígios de actividade vital produzidos pela vivência dos organismos, resultantes da sua actividade biológica, deslocação, alimentação, reprodução. Por exemplo, fósseis de pegadas, de ovos, de excrementos (os coprólitos), de túneis e galerias que serviram de habitação (as thalassinóides), etc. Os somatofósseis (Somatofóssil do Gr. sóma, sómatos, corpo + fóssil) são os fósseis de restos somáticos integrantes dos organismos, partes esqueléticas, moldes internos ou externos, resultantes de mineralizações, incarbonizações. Por exemplo, fósseis de ossos, de dentes, das carapaças, de conchas, de folhas, de troncos, etc.

E todos estes processos aconteceram e acontecem continuamente, sem nos apercebermos disso, cito uma frase do Prof. Carlos Marques da Silva, “…neste preciso momento, em ambientes marinhos de pequena profundidade, ao longo de toda a costa portuguesa, estão a ser enterrados vestígios orgânicos (conchas, carapaças, etc.) por processos de geodinâmica externa. Ou seja, estão a formar-se os fósseis que daqui a uma dezena de milhões de anos terão 10 Ma de idade…”

Apesar dos vestígios dos dinossáurios se encontrarem dispersos desde o Outão até Aguncheiras, refiro-me a pistas (icnofósseis) desde o Jurássico até ao Cretácico. E as primeiras investigações, que remontam ao século XIX, com os trabalhos de levantamento da Carta Geológica de Portugal, H. E. Sauvage (1897, 1898), referenciando ossos e dentes de dinossáurios e crocodilos na Boca do Chapim, e A. F. de Lapparent e G. Zbyszewski (1957), referirem também a presença de restos de ossos, dentes e carapaças, de dinossáurios, crocodilos e tartarugas. Porém, nesta minha região, cordilheira da Arrábida, só conheço ou tive conhecimento através de publicações, de somatofósseis de dinossáurios e outros vertebrados seus contemporâneos, do Cretácico inferior e provenientes de uma zona restrita do Cabo Espichel, (1 - Boca do Chapim, 2 - Areias do Mastro, 3 - Aguncheiras – Praia do Guincho).

Na zona norte do Cabo Espichel até à Praia da Foz, encontram-se várias formações geológicas perfeitamente definidas no espaço-tempo, entre elas existem três onde foram recolhidos os exemplares de somatofóseis que vou mencionar, excluindo os dos invertebrados, que formam um outro universo imenso e que não vou descrever neste trabalho.   

De cima para baixo, nas jazidas paleontológicas que indiquei, surge a formação Boca do Chapim enquadrada nas unidades de calcários argilosos e arenitos (Rey, 1992), datada do topo do Barremiano inferior, tal como as outras duas e depositada em ambiente infralitoral, com uma fauna de dinossáurios (Megalosauridae, Baryonyx walkeri, Iguanodon, Pelorosaurus, Pleurocoelus valdensis) e de crocodilos e tartarugas, a formação Papo-Seco depositada em ambiente lagunar salino constituída por margas e argilas siltosas verdes com lenhite e gesso, intercalando com arenitos com estratificação horizontal (Manuppella e tal, 1999), com uma fauna constituída por peixes (Lepidotes), crocodilianos (Anteophthaosuchus), pterossauros (ctenochasmatoides, ornithocheiridae) e dinossauros (Baryonyx, saurópodes, iguanodontes), e a formação de Areias do Mastro que têm uma fácies calcária carbonatada marinha, ás quais se sobrepõem arenitos indicadores de um ambiente estuarino, correspondente ao início da formação do Papo-Seco (Figueiredo e tal, 2015) e sobre estas, camadas margosas, onde a fauna era formada por dinossáurios (Baryonyx walkeri, Iguanodon), crocodilos, tartarugas e peixes.


Descrição dos exemplares

Saurópodes - 

1 - Dentes de Astrodon

Lapparent e Zbyszewski, 1957, fazem referência a três dentes de Pleurocoelus valdensis, Sauvage (1897), (Lapparent e Zbyszewski, 1957; Dantas, 1990; Galton, 1994), recolhidos no Barremiano inferior da Boca do Chapim, e depositados no Museu Geológico. Que interpretam como pertencentes a um Astrodon (saurópode  de pequeno porte),  Descrevendo que dois deles medem 22mm de comprimento. Trata-se de exemplares semelhantes ao da foto abaixo proveniente do Barremiano superior – Aptiano inferior de Vallipón (Castellote, Espanha). Apresentam uma coroa de «lados paralelos» e um «cone comprimido em forma de sino». Os dentes portugueses e espanhóis são comparáveis com os de Pleurocoelus valdensis de Inglaterra, e Astrodon johnstoni e Pleurocoelus nanus de Maryland (EUA), sendo muito semelhantes com as espécies inglesas.

 

Adaptado de J. Ruiz-Omeñaca e J. Canudo,2005

2 - Vertebra de Saurópode

Fóssil: CPGP.1.06.33 – Vertebra caudal distal de um saurópode. Apresenta uma forma subcilíndrica côncava lateralmente e com as seguintes dimensões, comprimento 11,4 cm; altura proximal 7,5 cm; altura distal 7,4 cm. Recolhida na formação Papo-Seco na jazida fossilífera de Areias do Mastro. Apresenta características semelhantes a outras vértebras caudais de saurópodes, descritas por Mantel (1850) em Pelorosaurus bem como Manion et al, (2013) referindo-se às do Lusotitan.

Em Portugal, são raros este tipo de exemplares do início do Cretáceo, o grupo mais representado de saurópodes do Cretáceo da Península Ibérica são os Titanosauriformes (Ortega et al., 2006, p. 226, Mannion et al., 2013). 

 

Adaptado de S. Figueiredo et al, 2015

3 - Dente de Pelorosaurus

Um dos dentes a que se referem A. F. de Lapparent e G. Zbyszewski (1957), em “Les dinosauriens du Portugal. Mémoires dês Services Géologiques du Portugal, nouvelle série, 2:1-6”, provenientes da Boca do Chapim, e exposto no museu geológico. Apresenta as dimensões de 50 x 33 mm, foi inicialmente atribuído a Iguanodon (dente n.º 10, MGIGM.10), tendo sido mais tarde, devido às suas características e a um estudo mais aprofundado, reinterpretado e atribuído a um saurópode do tipo, Cf. Pelorosaurus (Figueiredo , 2000). Semelhante a outros materiais provenientes do Cretácico Europeu, nomeadamente ao inglês da zona de Wealden.


Adaptado de S. Figueiredo, 2012


Terópodes -

1 -  Dentes de Megalosaurus superbus

Dos restos de dinossáurios terópodes descritos na primeira monografia sobre os dinossáurios portugueses por A. F. de Lapparent e G. Zbyszewski (1957), destacam-se três fragmentos de dentes, dois exemplares com as dimensões de 32 mm de comprimento e 20 mm de diâmetro de base e o terceiro com 18 mm de comprimento.

Referenciados como pertencentes a Megalosaurus superbus (Sauvage 1897-98), porém Mateus e Antunes (2003) consideram-nos como “incertae sedis” e Ruiz-Omenaca e Canudo (2003) preferem atribui-los a Theropoda indet.

Encontram-se depositados no Museu Geológico sendo provenientes dos sedimentos do Barremiano inferior (Galton 1994) da jazida fossilífera da Boca do Chapim «Grès á Dinossauriens», segundo Rey (1972), indicados na época como os únicos vestígios de terópodes do Cretáceo inferior de Portugal.


Adaptado de  projectos .cienciaviva.pt


2 - Ulna de Dromeossaurídeo

Fóssil CPGP.1.99.4 encontrado na formação do Papo-Seco do Barremiano, na base da arriba, constituída por calcário margoso e localizada na parte sul da praia das Areias do Mastro. Foi descoberto, em 1999, em trabalhos de investigação paleontológica desenvolvida pelo CGPT. É constituído pela parte mesial e distal do osso de um terópode de pequeno porte do Cretácico, identificado como pertencente a Dromaeosauridae indet. (COLBERT AND RUSSELL 1969). O fragmento distal de ulna esquerda, tem 106.40 mm de comprimento e 25.35 mm de largura na extremidade distal. As características que apresenta estão de acordo com as definidas por B. Melendes (1978); P.K. Currie (1997) e Norman (1985), diáfise curva e convexa posteriormente, sendo a extremidade distal larga e achatada.

Fóssil CPGP.1.00.1 trata-se de um carpo ulnar inteiro, recolhido em 2000, na mesma formação mas em local distinto, medindo 26,2 mm, identificado como pertencente a Cf. Dromaeosauridae (COLBERT AND RUSSELL 1969).

Os restos fósseis de dromeossaurídeos em Portugal, são bastante poucos, conhecendo-se alguns de formações do Jurássico superior e do Cretácico inferior atribuídos a Dromaeosauridae indet.

 

Fragmento de ulna e carpo lunar de Dromaeosaurus indet.Adaptado de S. Figueiredo, 2007 


3 - Fragmentos de Mandíbula

Provenientes da formação Papo-Seco, recolhidos pelo paleontólogo H. E. Sauvage (1897-1898) em depósitos sedimentares da Boca do Chapim. São restos de maxila e de mandíbula atribuídos a um crocodilo, Suchosaurus girardi, (Sauvage, 1898). 

Em 2007 foram revistos e reclassificados por H.Buffetaut, que com base nas semelhanças com o holótipo de Baryonyx walkeri do Barremiano Inglês o classifica como um terópode spinosaurídeo Baryonix. Encontram-se expostos no Museu Geológico.

 
Pormenor com dente. Foto: P. Marrecas
 
Adaptado de S. Figueiredo et al, 2018


4 - Dente de Baryonyx sp.

Dente de Baryonyx sp. Fossil CPGP.1.06.02 pertencente à colecção de paleontologia do CPGP resultante de prospecções e escavações realizadas desde 1998 nas arribas de Areias do Mastro.

Trata-se de um dente cónico, curvo e pontiagudo, apresentando ranhuras longitudinais, após o estudo biométrico, concluí-se que se encontra na faixa de valores descritos por Smith et al. (2005) para os exemplares de dentes de Baryonyx de Inglaterra. Foi identificado como pertencente a um Baryonyx sp.

 

1: Vista a) labial; b) distal; c) lingual; d) medial. 2: Pormenores do micro-serrilhado. Adaptado de S.Figueiredo et al, 2015


5 - Esqueleto parcial de Baryonyx walkeri 

O novo material craniano e pós cranianos do dinossauro terópode Baryonyx walkeri encontrado no Barremiano da formação Papo-Seco do Cabo Espichel. Este espécime foi identificado como um membro dos Baryonychinae devido às características com o holótipo de Baryonyx walkeri: dentes cónicos, canelados, com dentículos, e dentes dispostos em roseta, superfície do esmalte com pequenas estrias, o tamanho dos dentículos apresentam dimensões variáveis ao longo da carina, 6-7 dentículos por mm. (Mateus, O., Araújo, R., Natário, C. & Castanhinha, R. 2011).

Trata-se do Spinosauridae mais completo já descoberto na Península Ibérica, o dinossauro mais completo do Cretáceo de Portugal (Octávio Mateus e tal, 2011). Foi descoberto por Carlos Natário em 1999, aquando das primeiras recolhas, sendo o restante do espécime retirado nas escavações de 2004 a 2008, na formação Papo-Seco do Barremeniano inferior, da praia das Aguncheiras (praia do Guincho – Cabo Espichel).

O ML1190 exposto no museu da Lourinhã, consiste conforme é visível nas imagens abaixo, de parte da mandíbula inferior esquerda, dois dentes, quatro arcos neurais dorsais, cinco vértebras caudais, fragmentos de chevrons (ossos de protecção de nervos e artérias da cauda), pedaços de costelas dorsais, escápula direita, osso da púbis direito, pedúnculo púbico do ílio esquerdo, dois fragmentos dos calcanhares e extremo da falange do pé. A investigação foi realizada pela Universidade Nova de Lisboa (CICEGe-FCT) e Museu da Lourinhã.


 
A) Mandíbula inferior esquerda de Baryonyx walkeri (ML1190); Vistas:
B) lateral; C) ventral; D) medial; E) anterior – Escala 10cm (Mateus et al., 2011)

 
A) Dente de Baryonyx walkeri (ML1190); B) Detalhe das estrias verticais; C) Pormenor do esmalte enrugado; D) Dentículos; E,F) Detalhes – Escala: A) 1cm; C-E) 0,5cm (Mateus et al., 2011)
 
A – C) Escápula direita em vista:
A) lateral; B) posterior; C) medial D-G) Púbis direito em vista: D) anterior; E) lateral F) posterior; G) medial. Baryonyx walkeri (ML1190) – Escala 5cm (Mateus et al., 2011)

 A – F) Vértebras caudais Baryonyx walkeri (ML1190) ordenadas da mais anterior para a mais posterior.
Note-se a perfuração no lado lateral do centro D, provavelmente devido à marca dentária de um grande predador.
Escala 10cm (Mateus et al., 2011)

 Arco neural posterior de vértebra dorsal em vista:
A) lateral; B) posterior. Baryonyx walkeri (ML1190)
Escala 10cm (Mateus et al., 2011)

 Costelas dorsais (ML1190) de Baryonyx walkeri em vistas:
A)proximal; B, E) anterior; C, G) posterior D) medial; F) lateral; H) transversal
Escala: 10 cm. (Mateus et al., 2011)  

 Garra do pé de Baryonyx walkeri ML1190) em vistas:
A) lateral; B) ventral; C) proximal - Escala: 1 cm. (Mateus et al., 2011)  

Fragmento de osso do calcanhar direito de Baryonyx walkeri (ML1190) em vistas:
A) anterior; B) medial; C) proximal; D) lateral - Escala: 10 cm. (Mateus et al., 2011)


Ornitópodes -

1 -  Os primeiros restos fósseis de Iguanodon mantelli

A. F. de Lapparent e G. Zbyszewski (1957) na sua monografia sobre os dinossáurios portugueses relatam dois dentes com as dimensões de 50 mm de comprimento e 30 mm de largura, da colecção da Fac. de Ciências recolhidos em depósitos sedimentares da Boca do Chapim e classificados por Sauvage, 1897, como pertencentes a Iguanodon. Descreve também que recolheram mais dois exemplares, sendo um pequeno e fragmentado, mas com as cristas marginais características, e o outro recolhido por O. da Veiga Ferreira em 1951, medindo 40 mm de comprimento por 22 mm de largura, apresentando o esmalte de cor preto ébano e perfeitamente preservado. Todos os dentes foram referenciados como pertencentes a Iguanodon mantelli.

 
Dente de Iguanodon Museu Geológico, vistas:
F) anterior; G) posterior; H) lateral; I) detalhe da borda posterior da coroa. (Peter M. Galton, 1994)

 Referem também relativamente à mesma espécie animal, duas vértebras caudais anteriores, medindo a primeira, 11 cm de comprimento com 14 x 14 de diâmetro posterior e a segunda 9 cm de comprimento e 13,5 x 13,5. Uma vértebra caudal posterior com 12 cm de comprimento e 10 de altura.

Uma extremidade distal de um fémur direito, com 22 cm de largura que apresenta posteriormente o relevo acentuado do endocôndrio e anteriormente um sulco profundo, característicos de um fémur de Iguanodon. 


2 - Dentes de Ornitópodes.

Materiais da colecção paleontológica do (CPGP). O Centro Português de Geo-História e Pré-História (CPGP), vem desenvolvendo intensa actividade de pesquisa nas falésias de Areias do Mastro (1998-2016) e escavação de sete camadas de argila na parte inferior das falésias (2004-2009,2016) e posterior tratamento laboratorial, de que resultaram os exemplares a seguir expostos.

CPGP.1.03.3 - Fragmento de um dente da maxila esquerda, parte lingual da coroa do dente, mostrando algum desgaste na superfície oclusal.

Não apresentando nenhum tipo de ornamentação (estrias, dentículos), sendo a superfície na área distal plana e fazendo um ângulo com a zona lingual, enquanto a área mesial é curva. 

Atribuível a Styracosterna indet., (S. Figueiredo et al.2015)


CPGP.1.03.3 Vistas: a)superfície lingual; b) vista de cima – adaptado de (S. Figueiredo et al.2015)



CPGP.1.01.2 – Dente isolado que apresenta 8 sulcos, entre a crista primária e as cristas marginais. 

De acordo com algumas características dos dentes dos iguanodontes observados por Galton (1994), como uma crista distinta, com pequena margem entre as outras.

Atribuível a Iguanodontidae indet., (S. Figueiredo et al.2015)


CPGP.1.01.2 Vistas: C) labial; D) distal; E) lingual; F) topo – Escala 2 cm 

Adaptado de (S. Figueiredo et al.2015)


3 - CPGP.1.99.7 – Fragmento da parte esquerda de uma maxila, medindo 9,8 cm, com parte do palato e cinco dentes, dois com coroa triangular, fortemente denticulada, e os restantes com coroa semi-rectangular. Apresenta características semelhantes às descritas por Norman e Weishampel (2004); Paul, (2007,2011) e Norman, (2011, 2013), para os dentes de Iguanodontidae. 

O espécime CPGP.01.99.7, foi inicialmente atribuído a um Hypsilophodon indet. (Figueiredo, 2002, 2004, 2005), e depois cf. Camptossauro (Mateus, 2007; Figueiredo, 2008). Após um estudo comparativo, verificou-se que este fóssil não pertence a este género. Os dentes são totalmente diferentes dos dentes de hypsilophodon, e são maiores e mais largos do que os do camptossauro. A superfície labial da maxila é curva, como a do iguanodonte e não plana, como no camptossauro.

Considerando o tamanho dos dentes, podemos estimar que a dimensão da maxila do CPGP. 01.99.7, seria de cerca de 30 cm, o que o coloca entre o Mantellisaurus atherfieldensis (= Iguanodon atherfieldensis) (27 cm) e de um Iguanodon bernissartensis (39 cm) (Norman e Weishampel, 2004). Parecendo mais próximo de Iguanodon Mantellisaurus atherfieldensis do que de Iguanodon bernissartensis (S. Figueiredo et al.2015).

 




Maxila e Dente de Iguanodontidae, CPGP.1.99.7. e CPGP.1.01.2.
Em cima, visão labial; em baixo, visão lingual.

Abreviaturas: mx - maxila;
acr - arestas acessórias da coroa;
prr - crista primária;
dt - margem denticulada dos dentes;
ffbv: foramina para vasos sanguíneos.
 
As setas demonstram que os dentes não possuem nenhuma ornamentação na superfície lingual.

Escala: 1 cm

 Adaptado de (S. Figueiredo et al.2015)  




Maxila de Iguanodontidae indet. (CPGP.1.99.7)
Posicionada no crânio de um Mantellisaurus atherfieldensis.
 
Desenho retirado de Norman (2013).

Escala: 10 cm


Adaptado de (S. Figueiredo et al.2015) 


4 - Esqueleto parcial de Ornitópode

Descoberto em 2007 por Sandro Figueiredo, na Boca do Chapim, numa zona da arriba a norte do Cabo Espichel, na foz da Ribeira do Chapim, perto do sítio das Aguncheiras, decorrente dos trabalhos de investigação de paleontologia naquela zona pelo Centro Português de Geo-História e Pré-História (CPGP). 


 

Planta dos achados do CPGP 2.07.1. - E organização dos elementos esqueléticos do CPGP 2.07.1. - A – chevron de vértebra caudal; B – ísquio; C – fragmento de púbis; D – apófise neural de vértebra dorsal; E – costela; F – vértebra cervical; G- Fragmento da extremidade membro anterior. Adaptado de S. Figueiredo, 2010 e S. Figueiredo et al., 2018.

Estes achados fossilizados, foram escavados entre 2007 e 2011, sendo constituídos por cerca de três dezenas de ossos do mesmo animal, do esqueleto pós-craniano (vértebras, costela, ílio, ísquio e púbis). O material encontra-se depositado no CPGP com o número de inventário CPGP.2.07.1. Após o estudo laboratorial dos ossos recuperados, pode-se concluir que são atribuíveis a um grande ornitópode. O ísquio é claramente ornitísquio: é longo e estreio; a extremidade proximal é larga de forma triangular e dividida em dois processos sub-rectangulares; as vértebras são altas e estreitas, o corpo vertebral, de forma oval, é alto e estreito e a apófise neural é bastante desenvolvida (Melendez, 1986; P. K Currie, 1997). Este achado assume-se de importância para o conhecimento dos dinossáurios portugueses, uma vez que é o esqueleto mais completo de ornitópode descoberto até à data em Portugal e um dos mais completos dinossáurios do Cretácico português (S. Figueiredo, 2010).



                                                            Ísquio


Chevron de vértebra caudal                                                 Vértebra cervical
                                     




             
                       Fragmento de extremidade de membro anterior.


Costela                                                      Apófise neural de vértebra dorsal

                        


Outros Vertebrados

Do mesmo paleoambiente, contemporâneos dos dinossáurios acima descritos. E recolhidos nas formações geológicas de Areia do Mastro, Cabo Espichel. Nomeadamente sectores 1 e 2 da formação Papo-Seco.

 

Localização dos sectores, com datação das idades cretáceas de acordo com o Quadro Cronoestratigráfico Internacional (2015).
 Adaptado de S. Figueiredo et al, 2016 


Dentes de Pterossauros.

Exemplares recolhidos em Areias do Mastro, sector 2, pertencentes à colecção de paleontologia do CPGP.

1 - Dente de pterossauro CPGP.1.03.2, trata-se de um exemplar de forma afiada, côncavo na superfície distal e curvado na borda mesial, com carena lisa, não serrilhada. O esmalte tem sulcos finos que se ramificam em direcção à base. Foi atribuído a Ornithocheiridae indet. (S. Figueiredo et al, 2015).

2- Dente de pterossauro CPGP.1.09.1, com as dimensões de 35,8 mm de comprimento, com 4,6 mm x 4,3 mm na base. Toda a superfície do dente apresenta-se esmaltada, a superfície é suave, mas na face labial, apresenta algumas pequenas cristas longitudinais, a cada 0,05 mm de largura, ao longo de grande parte do comprimento, na base verifica-se a existência de concavidade preenchida por sedimentos. Foi atribuído a Ctenochasmatoidea indet. ( S. Figueiredo et al, 2015).


1 - Dente de Ornithocheiridae indet. (CPGP.1.03.2: a) superfície labial; b) superfície distal; c) superfície lingual; d) superfície media 
2 - Dente de Ctenochasmatoidea indet. (CPGP.1.09.1: a) superfície labial; b) superfície distal; c) superfície medial). 

Adaptado de S. Figueiredo et al, 2015.


Dentes de Crocodilos.

Exemplares recolhidos no sector 2 de  Areias do Mastro, pertencentes à colecção de paleontologia do CPGP.

1 a 5 - 1 CPGP.1.03.1; 2 CPGP.1.03.7; 3 CPGP.1.05.9; 4 CPGP.1.06.71; 5 CPGP.1.06.81: Fósseis de dentes esmaltados, com forma cónica e curvatura para o lado labial, com coroa afiada e base circular, apresentando estrias longitudinais e carenas sem serrilhas. Atribuídos a cf. Anteophthalmosuchus, sp (Figueiredo et al., 2015). O extinto Anteophthalmosuchus sp. era um crocodilo que vivia em áreas de águas abertas, rios, lagoas e lagos pantanosos.


Anteophthalmosuchus sp.: 1 CPGP.1.03.1; 2 CPGP.1.03.7; 3 CPGP.1.05.9; 4 CPGP.1.06.71; 5 CPGP.1.06.81.
De a) - d) vistas: a) labial; b) distal; c) lingual; d) medial.  Adaptado de Figueiredo et al, 2015, 2016, 2018.


Restos de Tartarugas

Lapparent e G. Zbyszewski (1957) referem ter encontrado restos fósseis de tartarugas e dentes de crocodilos, nas formações sedimentares de Boca do Chapim. Os fósseis de tartarugas são constituídos, maioritariamente, por fragmentos de carapaça que que muitas vezes, não permitem a sua identificação, a única determinação de quelônios do Cretácico Inferior de Portugal corresponde à indicação imprecisa de Pleurodira? pré-Chelidae? na Boca do Chapim (Broin, 1988). Os exemplares das fotos, são provenientes do sector 1 da jazida de Areias do Mastro, e pertencentes à colecção de paleontologia do CPGP.

CPGP.1.16.1 Fragmento de Plastrão (a superfície ventral da concha das tartarugas, composto por 9 ossos), este exemplar é constituído pelos ossos umerais e peitorais direitos, apresentando as dimensões de 97 mm de largura por 85 mm de comprimento.

CPGP.1.16.12 Fragmento de carapaça (a parte dorsal e convexa da estrutura da concha da tartaruga) com as dimensões de 112 mm de comprimento por 28 mm de largura.


         
Fragmento de Carapaça CPGP.1.16.12 
                          Fragmento de Plastrão                                                                          
                                             CPGP.1.16.1

         Vistas: A) dorsal, B) ventral     Adaptado de S. Figueiredo et al, 2016


Dentes de Lepidotes

Os Lepidotes constituem um grupo extinto de peixes placodermos, com o corpo coberto de escamas ósseas formando uma couraça. Os exemplares das fotos, pertencem à colecção de Paleontologia do CPGP e foram recolhidos no sector 1 dos sedimentos de Areias do Mastro.

Trata-se de 9 dentes, inventariados como CPGP.1.05.3; CPGP.1.05.4; CPGP.1.05.5; CPGP.1.05.6; CPGP.1.05.7; CPGP.1.05.8; CPGP.1.05.24 e CPGP.1.07.5; e CPGP.1.21.9.  Apresentam forma arredondada ou hemi-elipsóide, achatada, com 3 a 6 mm de diâmetro, a superfície é lisa e a base plana. Tendo sido atribuídos a Cf. Lepidotes sp.

 
Adaptado de S.Figueiredo et al, 2015


Nota: 

Todos os espécimes nacionais descritos, encontram-se distribuídos pelas seguintes entidades onde podem ser observados:

Museu Geológico de Lisboa (antigo museu dos serviços geológicos) - R. Academia das Ciências 19, 1200-168 Lisboa

Núcleo Museológico do CPGP – (antiga escola primária de São Caetano) - Largo de São Caetano, 2150 - 265 São Caetano - Golegã

Museu da Lourinhã - R. João Luís de Moura 95, 2530-158 Lourinhã



Texto: Orlando Pinto, 2018

Origem das fotografias:  Ornithopods Dinosaurs from the Papo-SecoFormation; Portuguese Paleontological Heritage It's International importance.The example of dinosaurs remains; «Pleurocoelus» valdensis Lydekker, 1889 (Saurischia, Sauropoda) en el Cretácico Inferior (Barremiense) de la Península Ibérica; Dinosaurs and other vertebrates from the Papo-Seco Formation (Lower Cretaceous) of southern Portugal; Breve notícia sobre a descoberta de um novo dinossáurio Ornitópode no Cabo Espichel; A new specimen of the theropod dinosaur Baryonyx from the early Cretaceous of Portugal and taxonomic validity of Suchosaurus ;   Ilustrações adaptadas: Orlando Pinto 

Bibliografia: Les dinosauriens du Portugal. Mémoires des Services Géologiques du Portugal, nouvelle série, 2:1-63.- Lapparent, A. F. de & G. Zbyszewski. (1957)New Data about the Paleo Environment of the Papo-Seco Formation (Lower Cretaceous) of Southern Portugal - S. Figueiredo, I. B.Strantzali, P. Rosina and M. Gomes, (2016); Notes on Dinosauria and Pterodactylia from the Cretaceous of Portugal - Peter Galton, (1994); Dinosaurs and other vertebrates from the Papo-Seco Formation (Lower Cretaceous) of southern Portugal - S. Figueiredo, P. Rosina, L. Figuti, (2015) ; Dinosaurs of Portugal - M. T. Antunes, O. Mateus - (2003) ; «Pleurocoelus» valdensis Lydekker, 1889 (Saurischia, Sauropoda) en el Cretácico Inferior (Barremiense) de la Península Ibérica - J. I. Ruiz-Omeñaca y J. I. Canudo, (2005) ; A new specimen of the theropod dinosaur Baryonyx from the early Cretaceous of Portugal and taxonomic validity of Suchosaurus- O. Mateus, R. Araújo, C. Natário & R. Castanhina (2011) ; Breve notícia sobre a descoberta de um novo dinossáurio Ornitópode no Cabo Espichel - S. Figueiredo, (2010) ; Ornithopods Dinosaurs from the Papo-Seco Formation - S. Figueiredo, et al., (2018) ; Preliminary Data of New Dinosaurs and Turtles Remains from the basal Deposits of the Papo-Seco Formation in Areias do Mastro's Quarry (Cabo Espichel - Portugal) - S. Figueiredo et al., (2017) ; Ornithopods Dinosaurs from the Papo-Seco Formation (Cabo Espichel, western central Portugal) - S.Figueiredo, X. P. Suberbiola, P. P. Cunha, M. F. Sousa, M. Gomes, (2018) : Faunas de Répteis do  Jurássico  Superior de Portugal - F. Ortega, E. Malafaia, F. Escaso, A. P. García & P. Dantas, (2009) ; Património Paleontológico de Areias de Mastro, Sesimbra - S.Figueiredo (2012) ; Portuguese Paleontological Heritage It's International importance.The example of dinosaurs remains - S. Figueiredo (2012) ; Sobre o estudo preliminar de um fragmento de ulna de pequeno Terópode de Areias de Mastro - Sesimbra - S. Figueiredo (2007) ; Las Tortugas Mesozoicas de la Peninsula Ibérica - A. P. García, (2012) ; Rediscovery of a lost portion of the holotype of Suchosaurus girardi (Sauvage, 1897-98), now related to the spinosaurid theropod Baryonyx - E. Malafaia, F. Ortega, F.  Escaso, P.  Mocho (2013) ; Dinosaurios (Saurischia, Ornithischia) en el Barremiense (Cretácico inferior) de la península Ibérica - J. I. Ruiz-Omeñaca y J. I. Canudo, (2003)